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sexta-feira, 17 de junho de 2011

Os quatro portais!

Eu participo da Lista de Discussões do Yahoo! Parto Nosso. É uma lista muito legal, bastante dinâmica e com muita participação. Várias pessoas se destacam, entre elas, a dona deste texto magnífico, Jobis Estevão. Ela está grávida do terceiro filho e planeja um PD. Está tudo correndo pra que isso aconteça ;)

Ela tem um dom pra escrita incrível... esse texto, ela chama de Os 4 portais... são portais que a mulher passa para que haja a sua transformação de menina, para mulher!! Simplesmente, lindu!!

Pedi autorização pra postar esse texto. Muito bom... veja:

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Antes de começar, algumas observações: eu nunca escrevi isso pensando em distribuir, porque acho que pode dar margem a muita discussão inóqua. Sendo bem rasteira: não, eu não acho que seja preciso passar por tudo isso pra ser mulher. Não acredito que se seja "menos mulher" se não se desejou ou não se conseguiu vivenciar isso em plenitude. Não acho que seja obrigatório. Acho, sim, que o caminho pro
crescimento é estreito e não possui muitos atalhos, mas tem várias estradas vicinais. Essa é uma delas. É a única de que posso falar, porque é a única que eu trilhei.
Isso posto, quem tiver saco de ler, pegue sua caixinha de maionese preferida e boa viagem.

Ao nascermos, somos solitárias. A busca pelo outro é uma sucessão de tentativas, nem sempre bem-sucedidas. Uma das finalidades do homem é buscar o outro, para tentar se encontrar, primeiro nele, depois através dele.
Na mulher, esse desejo de procura / encontro é mais intenso, porque somos mais emocionais e porque temos em nós o dom da vida. A vida é ânsia de universo corporificando-se dentro pra depois vir à luz. É o
encontro máximo. Acho mesmo que, para termos essa possibilidade, precisaríamos ser diferentes dos homens, pessoas que podem colaborar com a vida, mas não gerá-la. No esperma, o homem é a semenete; a mulher é a terra. O sêmen semeia, mas a mulher é quem tece.
Talvez por isso, existam esses portais, experiências do feminino que lhes permitem um contato íntrínsseco com elas mesmas, com o outro e uma consciência mais aprofundada do Universo que as rodeiam, tanto o tangível quanto o impalpável, mas nem por isso menos atuante na terra e nos seres.

O primeiro portal é o gozo. Não o sexo propriamente dito, mas o gozo. O limiar que vem justo após o instante em que dois se tornam um e, por uma fração diminuta e quase imperceptível, é-se uma coisa meio sem identidade, mas simplesmente ditosa e plena. Para isso, só técnica não basta. Pode-se ter orgasmos múltiplos e deliciosos só com ela, mas para chegar ao "portal do gozo", é preciso algo mais. Uma ânsia de dar e receber quase irracional; um estado meio alterado de consciência gerado pelos corpos, mas também pelas mentes. Desse portal, poucos falam, mas quem já pisou, não esquece.
Além de delicioso, é transformador. Gosto de pensar nesse como o portal da Felicidade. Um momento tão pleno e absoluto de felicidade, muitas vezes abastece uma alma de forças e amor para a vida inteira.

O segundo portal é o da gestação. Não apenas carregar, mas gestar.
Não necessariamente adorar a princípio, desejar e achar uma maravilha, mas gestar. Gestar é estar dentro. O outro está dentro de você e você está dentro do outro. A medicina está longe de compreender as
alteraçoes psíquicas sutilíssimas existentes na mulher que gesta. Pode apontar os efeitos, mas não perscrutar a causa.
Nesse portal entra-se devagarinho. Pés inseguros, pois que o chão parece movediço. O quê? Eu? Comigo? Justo eu? Logo eu? Isso é vida? É gente? É instinto? É ânsia de viver microcósmica que encerra um
macrocosmos diminuto? O que é isso cujo coração de repente bate, tão rápido e desesperado, como se tivesse pressa de sair? O que é isso que incomoda, mas é tão gostoso? O que é isso que dá azia, vômito,
tonteira, vontade de fugir pro Canadá ou pra floresta Amazônica? E de repente mexe, e reage à voz, e parece que pensa, e parece que vive? Eu vivo por ele, ou ele vive para mim? Quem é agulha e quem é linha? Quem conduz e quem é conduzido? E mexe, e chuta e, mesmo oculto, vai na minha dianteira, anunciando sua presença através de uma barriga cada dia mais proeminente? Essa vida que não anda, que não fala, que não tem livre-arbítrio, um ser humano reduzido a mais absoluta vulnerabilidade, à condição inerente a néscios e santos, víboras e vítimas? Eu sou Rio, sou São Paulo, sou Tóquio, sou Nova York, sou um ser que gera, um ser que gesta, tão ativo e tão passivo, tão poderoso e tão indefeso diante da vida, tão exultante e tão desesperado. Chamo esse do portal da deusa e da serva - porque quem gesta é deusa e é serva de uma só vez. Será deusa por ser serva, ou serva por ser deusa? Nosso sexo bebe o dom da vida, e ele se desenvolve em nossos ventres.
Nós somos portadoras de um segredo: de um serzinho que o mundo inteiro não conhece. Nossa mente é fecunda como a dos deuses. Nos achamos capazes de enfrentar borrascas apavorantes, somos fortes e sábias. temos o instinto da terra, a natureza dos oceanos, a influência da Lua e persistência do Sol. E somos servas. Servas de um imponderável que nos controla sem dar satisfações. Serva de ciclos que nosso corpo reflete, e que contemplamos, prostradas, de joelhos, porque, de repente, a coisa toda é assustadora demais para ser dita de qualquer jeito. Somos servas porque não temos o controle. Somos servas porque não temos instrumentos. Somos poderosas e vulneráveis, e talvez nosso poder se amplie na medida em que aceitemos nossa vulnerabilidade, em que acolhamos nossas lágrimas e usemos as dores para alcançar nossas verdades essenciais.

O terceiro portal é o do parto. A dor que vem em ondas e nos leva pra sei lá onde. Cada uma vai para um lugar secreto e imprevisível.
Pode nem sempre ser bom, mas sempre é importante. É a deusa-serva e a serva-deusa cruzando os umbrais do infinito. Ela grita porque não dá pra racionalizar tamanha imensidão. Ela geme porque é tão assustador quanto prazeroso. Ela dança porque o corpo tem vontade própria, porque o universo inteiro dança, na concretização da vida que se impõe. Dançam as águas no oceano, os animais nos rituais do acasalamento. No sexo, homens e mulheres dançam, puro instinto, carne e espírito. E no parto, nós dançamos também, Como não poderia deixar de ser. A apoteose da deusa e da serva. O gozo do corpo e a consumação da gestação. O portal da vida e da morte abrindo passagem para o mundo externo através do meio das nossas pernas.
A vagina que se lubrifica para a entrada do sêmen, se expande para a saída do broto.A caixa-casulo do útero se abre,a mulher canta e desliza o filho, o bebê, a cria. Um ser que é nosso e é só empréstimo. Um ser que é uma vida inteira e um mar de hipóteses. Uma coisa que é definida na nossa mente, e tem um mar de possibilidades a seus pés. Uma pessoa que muitas vezes veio por nós, que seguramente veio de nós, mas é individual.
E quando você pensa no processo fisiológico do parto, quando você pensa que cada dor, cada contração, cada fase tem uma finalidade que atende mãe e bebê, percebe que tudo é lindo demais. Após a conotação de sofrimento, pode-se chegar à percepção de glória. Parir é a glória de quem gesta. A consumação suprema do fisiológico pela continuação da espécie, mas também o ato supremo de doação e
receptividade ao outro. Penso nesse como o portal do eu no outro.
Uma das fases descritas pelos especialistas em puericultura, é a do egoísmo. A criança prioriza a si mesma, porque esse é seu único referencial de bem-estar. Durante a vida, ela apreende outros valores:
família, equipe, companheirismo. No gozo, ela conhece o clímax da recepção; na gestação, o ápice da fusão e no parto,o apogeu do companheirismo. Mãe e bebê estão juntos nisso. Ele abre caminho e ela se
abre para sua vinda. Ela o chama com a laringe e com a mente, e ele responde, caminhando um pouco a cada vez. E então nasce e, se tudo correr bem, dali por diante, para sempre serão dois e para sempre serão
um. Para sempre ela será um universo a parte, que, entretanto, aceitará uma órbita que não a sua. Para sempre ela terá seu coração dividido entre a parte de carne que pulsa em seu peito, e a parte de carne que
pulsa no peito do filho. Por isso o "eu no outro".

O quarto, é o da amamentação. Quem amamentou de verdade não nega: a coisa é mágica. Em dado momento, vocÊ se toca que o que passa pra ele não é só seu leite, aquele líquido às vezes ralo que até pode parecer insuficiente. Tem algo mais. Os técnicos detectaram vacinas, anticorpos e uma fórmula individualizada para cada dupla de lactente e lactante. Mas ainda não é tudo. O que se vê olhando nos olhos de uma criança que mama? O que se sente quando o líquido aflui e ela suga? O que se vislumbra quando a mão minúscula com seus cinco dedos que mais lembram estrelas de pontas abertas repousa sobre o seio exposto? O que ela te diz sem dizer? O que você fala sem abrir a boca? O que acontece quando a sucção amaina, quando os membros se tornam lassos e a respiração faz-se lenta? O que acontece quando um silêncio sublime os envolve, e os únicos sons autorizados são da sucção de um bebê com as
respirações de mãe e filho cadenciadas, apesar de em ritmos diferentes?
É muito mais que vacinas, anticorpos e uma fórmula única.
Esse é o portal do sublime. É o portal sem muita comparação retórica. É o portal em que as perguntas dizem tudo, e nem precisam ser respondidas.
É o portal em que o místico tem sua aparição máxima, por revelar-se na mais absoluta simplicidade. Não são precisos rituais nem votos. Apenas a disposição de viver o momento e a coragem necessária de entrar nele.

Depois dos quatro portais, voltamos à terra firme. Ao dia-a-dia, arroz com feijão, pão na mesa, manteiga na geladeira, óleo esquentando, lotação de metrô, fila interminável de banco, contas pra pagar, dor de
cabeça, unha encravada, mau-humor repentino, crise de identidade, tratamento odontológico... Mas nada, jamais, nunca mais, será como antes. Por esses quatro portais, chegou-se o mais perto do céu que uma
pessoa pode chegar, continuando viva e ativa depois. A marca é um comprometimento, a humildade da serva e a força da deusa. Agora, não apenas estamos no Universo, mas o Universo também está em nós.

Jobis Estevão - Lista Yahoo! Parto Nosso.

Um comentário:

Priscilla Rezende disse...

Eu copiei esse texto num bloco de notas quando ela postou! É incrível!